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Uma nova página para as relações entre África e Europa — por que a cúpula UE-UA representa mais do que diplomacia, mas esperança.

  • Foto do escritor: Márcia Oliveira
    Márcia Oliveira
  • 26 de nov.
  • 4 min de leitura

Chefes de Estado são esperados para os dois dias de encontros, realizados em Luanda, capital de Angola. Foto: © RFI FULFULDE / RFI
Chefes de Estado são esperados para os dois dias de encontros, realizados em Luanda, capital de Angola. Foto: © RFI FULFULDE / RFI

Em 24 e 25 de novembro de 2025, a cidade de Luanda, capital de Angola, tornou-se palco de um momento histórico: a 7ª cimeira entre a União Europeia (UE) e a União Africana (UA). O encontro reuniu cerca de 80 chefes de Estado e de governo — uma das maiores mobilizações diplomáticas recentes do continente africano e europeu.


Com o tema “Promover a paz e a prosperidade por meio de um multilateralismo efetivo”, a cúpula buscou não apenas reafirmar os laços tradicionais entre os continentes, mas redesenhá-los com base em novos princípios: igualdade, respeito mútuo, colaboração sustentável e justiça.


Por que esse momento é diferente

A relação entre África e Europa sempre teve um peso histórico — marcado por séculos de colonialismo, exploração econômica e desequilíbrios estruturais. Muitos dos fluxos de comércio, de investimento e de ajuda foram pensados a partir de uma lógica paternalista, onde a Europa decidia o que e como “ajudar”.

Na cúpula de Luanda, esse paradigma está sendo questionado. Participantes e analistas — como o professor Pascal Saint-Amans — têm destacado a urgência de uma relação verdadeiramente equitativa, onde os países africanos deixem de ser apenas receptores de decisões, para serem protagonistas nas pautas globais.

O programa Global Gateway, lançado pela UE em 2021, ganha nova dimensão nesse contexto: dos mais de €300 bilhões previstos até 2027, metade dos recursos são direcionados à África — com ambição de apoiar infraestrutura, energia, digitalização e desenvolvimento sustentável.

Mas, mais do que capital e contratos, há um ponto essencial: a necessidade de repensar o equilíbrio entre investimento, soberania, valores e dignidade. Como declarou um dos integrantes da delegação europeia presente: “Se abandonarmos os valores, quem seremos nós?”


As prioridades no centro da mesa

Durante os trabalhos da cúpula, ficaram claros alguns temas prioritários que podem marcar o futuro dessa parceria:

  • Paz e segurança — A agenda aborda crises persistentes, como os conflitos no Sahel, no leste da República Democrática do Congo (RDC), e outras zonas de instabilidade, com o objetivo de fortalecer o multilateralismo como instrumento de mediação e prevenção.

  • Energia verde e transição sustentável — Através da iniciativa de energia limpa do bloco África-UE, os países prometeram ampliar o acesso à energia renovável, impulsionando a transição energética e a inclusão social.

  • Mobilidade, migração e cidadania — O encontro também discutiu mobilidade, migração legal, educação, mobilidade acadêmica e intercâmbio entre continentes — com metas de tornar o intercâmbio mais justo e organizado.

  • Governança, direitos humanos e desenvolvimento humano — Um ponto sensível: defensores pedem que a cooperação não se restrinja à economia e investimentos, mas encare a democracia, a justiça social e os direitos humanos com seriedade, sem repetir lógicas de dependência.


O simbolismo de Luanda — além das declarações

Realizar a cúpula na África é um gesto carregado de simbolismo. Desde a primeira edição, em 2000 (no Cairo), a maior parte dos encontros ocorreu fora do continente africano. A 7ª edição representa não apenas os 25 anos da parceria entre UE e UA, mas, para muitos, a chance de reescrever a narrativa: de submissão colonial a protagonismo global.

Para os países africanos, isso significa reconquistar voz nas decisões que moldam o futuro do mundo — meio ambiente, segurança, economia, migração, relações internacionais. Para a Europa, representa a oportunidade de construir relações mais justas, equilibradas e sustentáveis, menos pautadas em interesses imediatistas, mais em valores compartilhados.


Desafios à vista — e o testamento dessa cúpula

Apesar da carga simbólica e das promessas, há ceticismo — especialmente entre vozes africanas e da sociedade civil — de que as declarações se convertam em ações concretas. Há o risco de que a cooperação seja reconfigurada apenas sob a lógica de investimento e negócio, e não de transformação social real.

Além disso, crises humanitárias, conflitos regionais, desigualdades históricas e pressões econômicas globais (como dívida externa e questões climáticas), tornam a tarefa monumental. A reestruturação exige não só dinheiro, mas compromisso político, transparência, participação popular e uma mudança genuína de paradigmas.

Por isso, a cúpula de Luanda deve ser vista não como um ponto final, mas como um recomeço. Uma convocação à responsabilidade global — de governos, instituições e cidadãos — para construir, no século XXI, uma ordem mundial mais justa, igualitária e humana.


Por que nós, do Brasil e da América Latina, deveríamos acompanhar atentamente

Embora a cúpula tenha como foco África e Europa, os impactos reverberam globalmente.

Vivemos um momento de busca por novas alianças, por dignidade geopolítica e por justiça climática. A redefinição da relação entre continentes pode servir de modelo — ou de alerta — para outras regiões historicamente periféricas, como a América Latina.

Para o Brasil, acompanhar esse novo capítulo pode inspirar diálogos sobre soberania, cooperação Sul-Sul, diplomacia independente e parcerias que priorizem desenvolvimento sustentável, respeito mútuo, justiça social e preservação ambiental.


A 7ª cimeira entre União Europeia e União Africana em Luanda é muito mais do que uma reunião diplomática — é um sinal de que novas narrativas globais são possíveis. Se a igualdade, o respeito e o compromisso verdadeiro forem levados a sério, pode surgir uma relação renovada, capaz de oferecer prosperidade, dignidade e esperança para milhões de pessoas.

Mas, como toda mudança estrutural, isso exige mais do que promessas: exige ação, vigilância, participação e um novo senso de responsabilidade coletiva.




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