Série: “Nas Pegadas dos Bantos” Episódio 2: Nas Pegadas dos Bantos: Entre Palavras e Culturas – A Jornada das Línguas Bantas
- Márcia Oliveira
- 27 de dez. de 2024
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Por Márcia Oliveira
No vasto e diverso continente africano, as línguas bantas se destacam como um testemunho vibrante da rica tapeçaria cultural e linguística. Este episódio 2 da série “Nas Pegadas dos Bantos” nos leva a explorar a fascinante jornada das línguas bantas, revelando suas origens, características e a imensa diversidade que elas representam.
Definição e Origem
O termo “bantu” é uma criação linguística introduzida no século XIX pelo linguista alemão Wilhelm Bleek no século XIX. A palavra Bâ-ntu (BLEEK, 1862, p. 4) combina o prefixo ba-, que indica pluralidade, com a raiz ntu, significando “pessoa”. Assim, “bantu” refere-se a “pessoas” ou “humanos”, destacando uma característica comum a muitas dessas línguas: o uso de um sistema de classes nominais. Atente para o subgrupo de “línguas bantas” pertencente ao tronco linguístico Níger Congo (o maior do mundo).
Figura 1 - O subgrupo “banto” do tronco linguístico Níger Congo

Distribuição Geográfica
As línguas bantas são faladas em uma vasta área que se estende do oeste da África, nos Camarões, até o leste, no Quênia, e até a ponta sul do continente. Países como Angola, Tanzânia, Quênia, e República Democrática do Congo são exemplos onde essas línguas florescem. O sistema de classificação geolinguística de Guthrie (1967-1971), posteriormente modificado por Maho (2003, 2009), ajuda a mapear essas línguas:
Figura 2 - Mapa do continente africano com a divisão do grupo banto em zonas geolinguísticas

Fonte: Santos (2000: 13) - figura 3, renumerada e renomeada.
Na Figura 2 (SANTOS (2000: 13), apresenta-se a divisão do grupo banto em zonas geolinguísticas feita por Guthrie (1967-1971), incluindo as modificações de Maho (2003). O sombreado laranja na Figura representa a área territorial angolana e o (.) aponta para o município do Libolo onde se fala o quimbundo do libolo, chamado por muitos como ngoya.
No sistema de classificação geolinguística das línguas bantas, o primeiro dígito, correspondente a uma dezena, representa um grupo de línguas relacionadas (como H20 para o quimbundo - Quadro 1) enquanto o segundo dígito, a unidade, designa um conjunto mais específico de dialetos dentro desse grupo (HEINE & NURSE, 2020).
Diversidade Etnolinguística
É crucial entender que não existe uma única “cultura banta” ou “língua banta”. Em vez disso, há uma vasta gama de línguas que compartilham características linguísticas, mas são distintas em muitos outros aspectos.
Figura 3 - Líderes africanos pertencentes a distintos grupos étnicos bantos de países distintos

Características Linguísticas
As línguas bantas são conhecidas por seu complexo sistema de classes nominais que organiza substantivos em categorias que podem ser comparadas aos gêneros em línguas como o português e o alemão. No entanto, a complexidade e o número de categorias nas línguas bantas são significativamente maiores, refletindo uma diversidade linguística rica e multifacetada. Observe, a seguir, as classes nominais na língua quimbundo:
Tabela 1 - Classes nominais do quimbundo

Fonte: Figueiredo, Petter, Monte (2021: 131); elaboração com base em Bonvini (1996). Quadro 3, renumerado e renomeado.
No quimbundo, como se observa na Tabela 1, as classes nominais são identificadas por prefixos que variam para indicar singular e plural e que, em sua maioria, têm um valor referencial:
Tabela 2 - Classes 1/2 - Gender I in Kimbundu
Classes1/2 - Gênero I
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Sentença com mútù(pessoa) (i) Wabigila mutu mudele Chegou a pessoa branca “Chegou uma pessoa branca” |
Em quimbundo, como em toda língua banta, o sistema de classes nominais afeta a concordância em toda a frase, influenciando verbos, adjetivos e pronomes que devem concordar com o substantivo em gênero e número. Em línguas não bantas como o pepel, a concordância também é atestada, embora não seja tão abrangente e regular como nas línguas bantas (IÉ, 2022). Na sentença (i) do Quadro 2, o sujeito está oculto, logo o prefixo de concordância wa- é de 3a. pessoa. Observe a concordância entre o ‘nome’ mutu e seu adjetivo mudele “homem branco”.
O sistema de classes nominais nas línguas bantas, como exemplificado pelo quimbundo, afeta a concordância em toda a frase, influenciando verbos, adjetivos e pronomes. Este sistema é uma característica distintiva que estrutura a gramática e a sintaxe dessas línguas de forma única. Veja o exemplo (i) no Quadro.
A língua banta suaíli
O suaíli, ou kiswahili, é uma das línguas bantas mais conhecidas, desempenhando um papel significativo como língua franca na África Oriental. É falado em países como Tanzânia, Quênia, e Uganda, onde serve como língua oficial ou de comunicação interétnica, facilitando a interação entre diversos grupos culturais.
Figura 4 - As áreas da África oriental onde o suaíli é língua nativa, oficial ou de comércio

O suaíli é uma língua rica em história e cultura, tendo sido influenciada por várias línguas ao longo dos séculos, incluindo o árabe, devido ao contato histórico com comerciantes árabes; é língua falada em doze países:
Tanzânia: O suaíli é a língua nacional e oficial, sendo amplamente utilizado no sistema educacional, na administração pública e nos meios de comunicação
Quênia: É uma das línguas oficiais e é falada em todo o país, desempenhando um papel crucial na educação e na mídia.
Uganda: Utilizado como língua de comunicação interétnica, especialmente nas forças armadas e em contextos oficiais.
República Democrática do Congo: Falado nas regiões orientais, especialmente nas áreas próximas ao Lago Tanganica.
Moçambique: Usado em algumas áreas do norte, onde facilita a comunicação entre diferentes grupos étnicos.
Ruanda Embora não seja uma língua oficial, é compreendida e usada em algumas regiões, especialmente em contextos comerciais e informais.
Burundi: Como em Ruanda, é compreendida e usada em algumas regiões, especialmente em contextos comerciais e informais.
Ilhas Comores: O suaíli é falado devido à proximidade geográfica e às interações históricas com a costa suaíli.
Madagascar: Utilizado em algumas comunidades costeiras, refletindo laços históricos e comerciais.
Malawi: Falado em algumas áreas, facilitando o comércio e a interação social.
Somália: Embora não seja amplamente falado, o suaíli é conhecido por algumas comunidades devido a laços históricos e comerciais.
Zâmbia: Utilizado em algumas regiões, especialmente em áreas próximas à Tanzânia.
Impacto Cultural e Histórico
Compreender as línguas bantas é essencial para apreciar a complexidade e a riqueza da experiência humana refletida na linguagem. À medida que continuamos nossa jornada “Nas Pegadas dos Bantos”, reconhecemos a importância dessas línguas não apenas na África, mas em todo o mundo.
Para ler mais:
Bleek, W. H. I. (1862). A Comparative Grammar of South African Languages. Londres: Trübner & Co.
Bonvini, E. (1996). “Classes d’accord” dans les langues négro-africaines. Un trait typologique du Niger-Congo. Exemples du kasim et du kimbundu. Faits de Langues, Revue Linguistique Ophys, (8), 77-78.
Figueiredo, C. F. G., Petter, M. M. T., & do Monte, V. M. (2021). Análise comentada do manuscrito “Guia de conversação portuguesa para uso dos libolos”, do padre Renato Robert. Revista do GEL, 18(3), 115-142.
Guthrie, M. (1967-1971). Comparative Bantu. Farmborough: Gregg.
Heine, B., Nurse, D. (Eds.). (2000). African languages: an introduction. Cambridge, UK: Cambridge University Press.
Ié, I. A. (2022). Marcação de plural: um estudo semântico de classe nominal no pepel. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. doi: 10.11606/D.8.2022.tde-20092022-183926. Recuperado em 12 dez. 2024, de www.teses.usp.br.
Maho, J. (2003). A classification of Bantu languages: an update of Guthrie’s referential system. In: NURSE, D.; PHIPLLIPSON, Gérard (Orgs.). The Bantu languages. Londres/Nova York: Routledge.
Maho, J. (2009). NUGL Online. The online version of the New Updated Guthrie List, a referential classification of the Bantu languages. Recuperado em 14 dez. 2024, de chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://brill.com/fileasset/downloads_products/35125_Bantu-New-updated-Guthrie-List.pdf.
Santos, V. G. (2020). Aspectos prosódicos do português angolano do Libolo: entoação e fraseamento. Tese de Doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. doi: 10.11606/T.8.2020.tde-03032020-174301. Recuperado em 12 dez. 2024, de www.teses.usp.br.
Para mais episódios e histórias fascinantes sobre as línguas e culturas africanas, continue acompanhando nosso blog “Nas Linhas do Tempo” em africaemponto.com.
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